sábado, 4 de maio de 2013

Memórias Póstumas de um Jovem Velho


Eu era um jovem comum como todos os outros da minha época, ia à festas, namorava, trabalhava, rezava e tudo mais. Eu morava no interior de São Paulo e um dia, na década de 70, em uma festa de minha cidade, conheci uma moça muito linda. Muito tímido fui falar com ela:
    • Oi. Tudo bem?
    • Oi. Tudo bem sim, e com você?
    • Também. Estava aqui me divertindo e vi você tão meiga, quieta e sozinha e resolvi vir falar com você... Nossa como eu fui muito indelicado, nem perguntei qual é o seu nome.
    • Meu amigo, nem te conheço, seria muito indiscreto eu falar meu nome sem te conhecer. Desculpe-me.
Após dizer isso ela saiu, não entendi o motivo, nem foi a circunstância que gerou isso, apenas vi o brilho em seu olhar. Ela saiu como se não pudesse conversar com ninguém, por proibição de alguém. Passaram-se então exatos três meses sem que eu pudesse ver novamente seu dulcíssimo e delicado rosto. No dia 25 de junho, na festa de emancipação de minha cidade, fui convidado para tocar acordeão num grupo sertanejo. Em meio a duas mil pessoas completamente diferentes, pude perceber o enorme brilho de seu rosto como se fosse uma estrela cadente. No fim do espetáculo ela veio até mim para se redimir:
    • Mario, peço minhas desculpas por não ter te tratado da maneira que devia, meu pai estava me acompanhando naquela festa e ele deixou bem claro que não queria que eu conversasse com nenhum rapaz.
    • Está tudo bem, sei como são os pais de moças tão lindas, são muito ciumentos e protetores. Mas afinal qual é seu nome?
    • Meu nome é Maria.
    • Muito lindo seu nom... Seu pai está aí?
    • Não, ele saiu para conversar com uns amigos e vai demorar um pouquinho para voltar.
Ficamos conversando por meia hora, quando então o pai de minha querida Maria chega e fica escondido atrás de uma árvore vendo minhas atitudes perante sua filha. Ele ficou contente por ver que eu não era um cafajeste e resolveu conversar conosco. Quando vi ele chegar, tentei fugir, mas minhas pernas ficaram imóveis. Foi quando o pai de Maria disse:
    • Boa tarde meu jovem, você reconhece quem sou?
    • Boa tarde senhor. A Maria já me falou do senhor...
Então... Se eu ficar contando tudo que aconteceu ao conhecer minha querida Maria, teríamos páginas e páginas de história, então vamos logo ao que interessa. Ao conhecer o pai de Maria ele me falou que ela ficou falando de mim durante os três meses que nós não nos vimos, isso causou uma grande emoção em mim, fazendo com que eu me apaixonasse mais por ela. Com o passar de 4 anos de namoro, eu fui até a casa de minha querida para pedir a benção de seu pai. Esse dia foi o mais emocionante de minha vida, esperei muito tempo para isso acontecer. Nos casamos e tivemos três filhos, Pedro, André e Patrícia. Após termos a Patrícia tentamos por mais dois anos ter outra filha. O mais perto que chegou de nascer foi o João, porém foi um parto complicado e minha querida Maria veio a falecer nesse parto, e João era tido como morto. Chorei infinitos cinco meses, foi como se eu tivesse levado uma apunhalada no peito. A moça que estava no quarto de parto com minha querida Maria também teve um parto complicado.
Certo dia, dois meses depois dessa tragédia aparece em frente à porta de minha casa uma criança linda como os raios do sol e com ela um bilhete trazendo escrito:
“ Cuide bem dele! Ele será capaz de mudar a sua vida, infelizmente eu não tenho condição de cuidar dele. Sua mulher irá lhe ajudar de onde ela estiver.
Assinado: Uma velha amiga.”
Isso impactou com meus outros três filhos, mas senti que aquela criança poderia trazer mais alegria à nossa casa. Como forma de extinguir minha dor profunda em perder meu querido João e minha amada Maria, coloquei o nome do menino, que a mãe deixou à porta de minha casa, de João. Anos se passaram meus filhos se formaram um a um. Pedro se formou um grande médico, André se formou como advogado e Patrícia como modelo, ambos me dão muito orgulho. João, meu filho adotivo se formou padre, todos os outros criticavam a sua opção e diziam que ele teria que me sustentar até minha morte.
Os anos passaram e descobri que uma doença tinha se agravado e por falta de tempo para mim meus filhos me internaram no asilo em que meu querido João fazia visitas. Lá era uma tristeza só, as enfermeiras maltratavam meu colegas que sem forças não podiam se defender. Ficávamos lá como animais, desprezados e esquecidos nem sequer uma visita, Pedro viajava duas semanas do mês para trabalhar no exterior, André foi meter-se com vândalos e acabou sendo assassinado aos 30 anos de idade, e Patrícia estava ocupada com seu marido e sua filha viajando para desfilar. Com o passar do tempo João ia semanalmente me ver.
Pedro com o passar dos anos, de tanto viajar é deixado pela esposa que levou o filho consigo, este entrou em uma forte depressão e se encontra desempregado, sem apoio algum, seus grandes amigos o deixou desprezado. Patrícia de tanto querer beleza, entrou em um distúrbio de anorexia e tem seu marido e filho lutando muito ao seu lado.
Quanto a mim, minha doença se agravou ao extremo, e com uma complicação precisava de um cuidado especial. Foi quando João largou a batina e foi-se a cuidar de mim dia e noite. Agora não eu não era mais desprezado nem maltratado. Com 85 anos precisei de uma transfusão de sangue. João muito abalado fez um exame para ver a compatibilidade com meu sangue. Foi quando descobrimos que além de nosso sangue ser compatível, João era nosso filho. Fiquei muito emocionado. Provavelmente naquele transtorno no hospital, os enfermeiros devem ter trocado meu filho com o daquela mulher.
Infelizmente não suportei esperar muito. Minha querida Maria gritava meu nome:
- Mário meu querido! Venha! Você fez o seu dever, venha descansar ao meu lado.
Não pude suportar. Antes de partir deixei minha casa e minhas economias com meu João que tanto amei desenganadamente. Então, João formou uma associação que cuida de idosos. Até hoje ele cuida deles e dá o seu carinho como se fossem seus pais, lutando até hoje contra o maltrato aos idosos.

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