sábado, 4 de maio de 2013

Uma noite no futuro


 
... E foi assim que eu vendi meu primeiro carneiro. – Disse orgulhoso meu avô, enquanto eu virava os olhos. Não aguentava mais escutar suas histórias. Reclamei sobre isso com minha mãe após ter deixado o cômodo.
Para com isso, menino! Quero só ver quando você for mais velho... – Ela falou parecendo uma cigana lançando uma maldição. Ri com o pensamento.
 Segui para o quarto de hóspedes na casa de meus avós; já estava cansado e no dia seguinte teria churrasco da família. Deitei na cama e dormi.
Acordei no outro dia com dor nas costas e quando levantei vi meus pés enrugados. – Espera! – Eu não tenho pés enrugados. Olhei-me no espelho e percebi que eu não era eu, na verdade parecia uma versão menos charmosa do Mick Jagger.
Uma mulher, também idosa, veio em minha direção, me deu bom dia e tentou dar um selinho em mim. “O que está acontecendo?” – pensei.
Que é isso? – Perguntei à mulher de cabelos grisalhos e olhos fundos.
Nossa, que mau-humor, hein “veio”? – Ela respondeu.
Olhei para um painel eletrônico enorme que parecia uma espécie de calendário e vi que era o dia 15 de setembro 2073, o que significava que eu tinha 76 anos. “Calma! Ontem eu tinha 16! Não acredito que a profecia da minha mãe se realizou: Eu estou velho.” – pensei.
Sai da casa apressado e fui para a rua. Prédios gigantes e carros super modernos ocupavam todo meu campo de visão. Vi umas meninas passando - seus vestidos pareciam roupas íntimas, mas acredito que essa parte é semelhante a do ano de 2013.
Respirei fundo e resolvi, depois de muito tempo, encarar o que quer que o destino tivesse mudado em minha vida. Não sei como consegui, mas voltei para a casa e comecei a conversar com a mulher que me dera bom dia. Descobri que seu nome era Rafaela e era minha esposa. Pouco tempo depois recebi uma ligação de nossos filhos, e fiquei super empolgado achando que iriam ser mais atenciosos comigo. Não foram: queriam apenas saber se poderíamos cuidar das crianças.
Apesar disso, fiquei feliz em saber que possuía netos. “Aposto que meus herdeiros são bonitos” – pensei convencido. Logo eles chegaram. Eram três meninas e um garotinho.
As garotas começaram a brincar desses joguinhos de menina, isolando o pobre Henrique Neto. Cheguei perto dele tentando animá-lo, mas ele só dava atenção para seu Iphone 125 S. Não queria falar sobre futebol e nem sobre qualquer outro assunto verbal. Tentei usar minhas gírias mais descoladas, porém nenhuma delas agradava as crianças de 2073.
Fiquei com vontade de comer um cheeseburger, mas infelizmente quando fui encomendar um, minha mulher disse que se eu comesse mais uma comida gordurosa, seria a última da minha vida. Pasmem: As pessoas ainda não são imortais no futuro.
Resolvi que ligaria para meu filho. “Quem sabe agora não consigamos conversar de verdade” – pensei.
Fala aí, filhão. Tudo certo? – Perguntei tentando parecer paternal e legal.
Ei, pai. Beleza. Agora não posso falar.
Mas eu só queria conversar com alguém... – Disse, mas ele desligou o celular antes.
Fiquei chateado com minha vida, afinal ninguém me dava atenção. Arrependi-me sinceramente do modo que tratei meus avós, porque eu estava sendo tratado daquela forma agora. Contudo era tarde demais: eu estava de repente velho e sem ninguém para compartilhar todos os meus sentimentos.
Comecei a escutar um barulho, algo como um alarme. E acordei. “Graças a Deus foi um sonho” – pensei.
Levantei da cama, olhei-me no espelho e comecei a refletir sobre algumas coisas. Agora sim vejo como meus avós e todos os outros idosos são fortes por conseguirem lidar com todas essas mudanças que o mundo sofre. Assim como nós um dia seremos idosos, eles também foram jovens e têm histórias boas para contar. Sai do quarto e fui tomar café da manhã junto com minha família.
E aí, Vô? Quanto custou aquele carneiro que o senhor vendeu? – Perguntei rindo e sentindo vontade de sorrir por ter aprendido antes que fosse tarde demais o verdadeiro significado daquela frase “trate o próximo como deseja ser tratado”.

Fim

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